A ATUAL CRISE ECONOMICA E COMO AQUELE PARENTE DISTANTE QUE TOCA A CAMPAINHA,
entra sem que você tenha feito o convite. se instala na sala e ali fica por dias. abusando da sua paciência e boa vontade. Até o momento em que você não aguenta mais e toma uma atitude.
Na sala de estar do turismo, assim como na da maioria dos outros setores. a crise também está deitada no sofá. com o controle remoto na mão. Por conta dela e. obviamente, de outros fatores, receitas diminuem, cortes em diversas esferas são feitos, empresas quebram e outras entram em situação bem delicada.
Por outro lado. há boas notícias e cases de sucesso que. além de trazerem luz ao túnel, são capazes de inspirar empresas a terem uma conversa séria com aquele que teima em se sentir parte da casa.
Em 2008. o dólar flutuava na casa de R$ 1.42. fazendo a alegria de empresas focadas no emissivo para países como os Estados Unidos. Porém, em fenômeno similar ao atual, a moeda norte-americana disparou, chegou a R$ 2.30 e trouxe o caos para muitas das companhias que até então surfa-vam a boa onda.
Uma delas foi a operadora Século XXI. que na época ocupava dois andares de um prédio no bairro nobre do Itaim Bibi. em Sào Paulo, com cerca de 90 funcionários, e sofria também devido ao fechamento recente de outra empresa. A crise perdurou pelos anos seguintes até que. em 2011. a direção da companhia tomou uma decisão difícil para qualquer empresário: entrar em Recuperação Judicial |RJ).
Porém, a opção pela RJ. que à primeira vista pode soar como o inicio do fim. foi o fôlego que a operadora precisava para colocar os negócios em dia. ocupar o tempo com o presente e o futuro e. assim, poder voltar a viver bons momentos. No último dia 23 de julho, a Século XXI anunciou o final do processo de Recuperação Judicial, aceito pela Justiça devido ao cumprimento de todas as exigências legais a que foi imposta.
Mas qual foi a fórmula para a companhia ter conseguido sobreviver durante o momento difícil? O CEO Pedro Javier revela: não ter demorado para optar pela RJ. “Nós entramos em Recuperação Judicial em um momento em que nossas operações ainda eram viáveis”. “Um dos grandes problemas dos empresários é deixar para entrar quando a empresa está prestes a quebrar.”
0 processo de Recuperação Judicial consiste, inicialmente, no desenvolvimento de um plano obrigatoriamente elaborado por um terceiro, uma empresa externa de auditoria. Ela se debruça sobre as contas e os passivos e desenha o plano juntamente com o empresário. 0 passo seguinte é a apresentação do projeto a uma assembleia de credores, responsável por aprová-lo ou não. No caso da Século XXI, o plano consistiu, basicamente. na concessão de desconto sobre a divida total de R$ 2.3 milhões e no parcelamento do passivo.
Mas. se a solução é descontar e parcelar a dívida, por que entrar em RJ ao invés de fazer as mesmas solicitacões diretamente aos credores? “Porque eles nèo vão aceitar”, resume Marcelo Soares Vianna. advogado da Século XXI e um dos responsáveis pela retomada da operadora. “A auditoria te diz onde está o problema e, a partir daí. você vê qual desconto precisa para voltar a ter o giro semanal da empresa”, complementa Javier.
DISCRIÇÃO
Mesmo durante a Recuperação Judicial. os clientes da Século XXI continuaram comprando e os fornecedores. vendendo. A relação comercial não foi alterada. Javier e Vianna explicam que pedidos de RJ devem, obrigatoriamente. constar na Junta Comercial do Estado onde a empresa está instalada. Estão, portanto, passíveis de consulta pública. A companhia afetada. porém, não tem a obrigação de ela própria divulgar a informação por outros meios. A estratégia da operadora foi pedir a Recuperação Judicial e continuar trabalhando normalmente. Tanto que. quando a PANROTAS publicou nas redes sociais a informaçào do término da RJ. alguns agentes revelaram não saber que a empresa sequer havia entrado no processo.
“Nós optamos por não alertar os fornecedores e clientes de forma leviana. Pedimos a RJ e continuamos tocando a vida. Comunicamos as associações de classe e os profissionais que nos respaldam”, afirma o CEO da Século XXI.
O QUE MUDOU
Além de ter conseguido desconto e maior parcelamento das dívidas, a operadora teve de mudar seu modelo de negócio para voltar a andar nos trilhos. Uma das opções foi reduzir o tamanho da empresa e de alguns processos, de modo a ganhar agilidade e não permanecer à mercê das variações do mercado.
Pedro Javier diz que a Século XXI optou por um modelo “híbrido” de trabalho, atendendo o cliente de forma on-line com o mesmo dinamismo de uma OTA e. simultaneamente, não fechando a possibilidade de o atendimento ser feito nos moldes maís tradicionais.
“Eu coloco na agência o sistema de back-office que vende ao cliente. Eu pago a comissão. recebo e ponto. Foi assim que deu certo”, conta o CEO. Em termos de produtos. a Século XXI criou circuitos europeus com operações próprias, e não de terceiros — os Circuitos Europeus Pre-mium. que incluem traslados. refeições e passeios e são parcelados em dez vezes. “Dessa forma, o agente tem mais rentabilidade e o cliente tem tudo incluso”, explica Javier. complementando com a afirmação de que parte dos circuitos europeus concorrentes não incluem traslados, refeições e passeios, o que os tornam mais baratos.
Outra aposta da operadora foi o turismo religioso, que culminou em parceria com o Ministério do Turismo de Israel para a operação de grupos católicos e evangélicos. Entre 2011 e 2013 foram 40 grupos por ano, garante o empresário.
TURQUIA QUASE DE GRAÇA
No ano passado, a operadora desenvolveu uma campanha para estimular viagens de brasileiros à Turquia na baixa temporada, de outubro a maio. 0 chamariz: hotel e traslados aeroporto-hotel gratuitos e. ainda, desconto de 15% na passagem aérea — o outro gasto do cliente, além do bilhete com a tarifa especial, seriam os encargos de serviço. A campanha só foi possível graças uma forte parceria com o Ministério do Turismo turco, com a Turkish Airlines e com receptivos locais. Para conseguir hotel e traslados a custo zero. o ministério desenvolveu um trabalho para levantar fundos junto aos comerciantes, que teriam interesse em forne-cê-los por terem ciência do potencial de consumo do turista brasileiro. Estes fundos bancaram as hospedagens e o transporte. A tarifa com preço especial foi uma aposta da Turkish de que o projeto daria certo.
“0 Atagún (Kutluyúksel. que deixou a companhia em julho] acreditou na gente. Eu pedi bloqueio de cinco mil lugares e ele confiou”, diz Javier.
Os pacotes, porém, não foram comercializados da maneira convencional, junto a clientes de agências. A SéculoXXI apresentou um projeto a empresas de varejo para que elas presenteassem os clientes em troca da fide-lização. Companhias como Bob Store e Rubaiyat aderiram e. entre outubro de 2016 a maio de 2015, cinco mil passageiros foram transportados.
“O interesse do governo turco foi levar passageiros à Turquia na baixa temporada, e o das empresas participantes foi fidelizar seus clientes”, resume Javier, complementando que o ganho da Século XXI veio do pagamento dos encargos de serviços por parte dos passageiros. O projeto, batizado de Convite Turquia lconviteturquia.com.br). entra na segunda fase em outubro. dessa vez com a expectativa de transportar entre oito e dez mil passageiros. As empresas de varejo participantes serão divulgadas em breve. 0 CEO da operadora, que recebeu a reportagem no escritório da empresa. o mesmo de 2008, finalizou a entrevista deixando uma sugestão aos empresários do turismo: “é preciso trabalhar no preventivo, pois no nosso segmento nào podemos nos dar ao luxo de criar passivos. Somos intermediários”.